terça-feira, 5 de março de 2013

Sobre o abandono (ou: Sobre a Resistência)


Este café tem gosto das cinzas do cigarro que se espalham em meus lençóis. Minha garganta-cinzeiro de pensamentos abortados. Hoje estou alive – sentindo àquela dor feita de flor e prosa (da palavra mais maldita). Folheio o livro na esperança de ali te encontrar. O movimento brusco só ressuscita as cinzas em minha cama (onde antes te contorcias de prazer). Espiralizam-se e pousam sobre as folhas amarelas do livro. Subverto as entrelinhas; viro a página; troco o livro. Leio-nos em terceira pessoa: tomo distância.

 “Não se afobe, não, que nada é pra já...”. 
O futuro, oculto e inerte, não está para mim, nem para aqueles que tão veementemente o esperam (mal sabem que nunca chega). Muito menos para o verso que voou de meus lábios a me deixar para trás. A vagar em um presente que de imediato também me deixa. Digo: não tenho medo de me deixar à margem de mim mesma. Anuncio o fim diariamente, deixo-me, transformo-me, recomponho-me em vida. Bastou uma renúncia para perceber tal desapego ambíguo: nós. Aquele que agora leio em terceira pessoa, e aqueles que se somatizavam em minha garganta.

Mas o amor vem, vem se arrastando, tímido, mas vem. Esconde-se nas páginas que ainda não li, nas palavras que ainda não pronunciei si-la-bi-ca-men-te. Envolvo-te, nos amando em contratempos. É a única solução que eu tenho para esse amor que arde e me crucifica já em chamas. Conheço-te? Já te adorno de versos placidamente desejantes. Devo parar por aqui.

Qualquer esforço resulta em palavra que tanto almejo deixar para trás. Mão sobre a chama que ilumina este papel que te dedico: recolho-a rapidamente para sequer conhecer a dor que ainda não me trouxeste. A dor que faz arrastar léguas aos teus pés. 

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Roland Barthes