sábado, 21 de dezembro de 2013

Em-si

das tantas em mim:
nenhuma.
daquilo que não sou:
todas.

A palavra de ordem:

Surjo da anulação, da
Intuição de minha própria inexistência.
Martelada pelo
Brado impetuoso do viver na
Imediata dispersão do tempo passado.
Ocupada pela produtiva inércia
Surjo da anulação, do
Esquecimento do próprio viver.

s-i-m-b-i-o-s-e (em-si)

a negação é daquilo que não é conhecido
dialética dos espaços vazios

na
alteridade, resisto
ausência, existo.

Sem (nada), tudo pode (ser).

domingo, 31 de março de 2013

De minha janela



Abri a gaveta e ali encontrei os escritos que havia abandonado. Estórias de amor, de brancas traições, amarelas juras de amor. Afagos trépidos que amansavam o meu desejo de ir. Com um olhar distante, amasso os papéis sem cautela. Botinas surdas sobre as folhas secas do outono. Um papel amassado em meu bolso: encerrado com um desbotado ponto final. Cruel, cruel: relembrar e reviver a poesia há tempo desamparada.

É necessário esquecer essa dor que sufoca; das lágrimas que não medem resistência; do mar que arde em cima de ferida aberta. Não há planos grandes o suficiente que possam remediar o tempo. Mesmo sendo inteira, não sou grande o suficiente. Há certas correspondências que me atravessam e me deixam à margem. A poesia suja não lava a alma. Eu era outra, e continuo sendo outra, mas não me reconheço.

Prendo minha respiração pesada. A música já é outra, e eu não sou a mesma – pena ou pesar? O ar seco deste quarto me pede para abrir as janelas que não abro há semanas, enclausurada. Absorvo este ar absolto; sorvo da noite que timidamente rasteja por entre os vãos de minha janela. O mar imenso, negro, se estende em minha frente: não faz mais sentido escrever para você. Lavo meu rosto. Não deixo pistas.

Esse jeito que o cigarro encosta sobre teus dedos. Tragas-me. Percebo o quanto me foste fiel. Sorrias. [Recomponho] Perdoe-me. Há tempo que te peço perdão, medindo a vã lembrança. Não, não peço mais nem invento desculpas. Sensação do despertar, em um movimento de-dentro-para-fora, erupções coloridas que me devolvem vida! Do latente desejo de ficar, tenho necessidade de profetizar. Saio sem pedir licença. Hoje sou outra.

domingo, 17 de março de 2013

Mise-en-scène


Um, dois...cinco copos de café velam a luz que acompanha o compasso de meus escritos. À espera da palavra muda e recomposta que não sabe sentir. Foi no atraso que me encontraste; e agora é com atraso que te deixo. Mise-en-scène: lá fora o poste pinta teu rosto. Lábios alaranjados, frios. Me esperas? A chuva te apaga lentamente: vermelho, amarelo, vermelho, laranja. São agora os carros que te pintam no cruzamento. Estás parada no meio da rua, chorando (ou assim preciso te imaginar). Carros dançam à tua volta, não medem tua dor. Delicado, delicado. Meus pensamentos imploram para que eu te deixe intacta: go slowly. Mas não sou eu que te imagino feito marionete. É a luz que te contorna e te toma debaixo da chuva. Verde: a sinaleira abre e uma nova fila de carros te crucifica. É na contramão que te deixei, à espera de alguma luz branca que pudesse te salvar. Mas não sabiam de tua dor. Too late.

Que sufoco irremediável é este que toma os meus lábios? Recomponho, mas não é palavra. É falta de ar. Tua mão. Beijo. Teus braços, teus seios. Beijo. Uma luz branca perpassa veloz. Violência: esquecer. Outra luz branca que apaga lentamente o teu corpo sobre a cama. Pisco. Esqueço. Crucificada na contramão. Sobreposição do pensamento: a cama está no meio da rua. Encharcada e tomada pela chuva cinza. É a luz que pinta o teu corpo, revelando tua nudez aos poucos. Sai da chuva, vem. Pisco. Luz branca. Confusão. Não consigo. Mente vazia. Beijo. Chuva. Laranja, laranja, laranja. Agora sou eu: nua; à espera.

Bailarina debaixo das lamparinas que dança entre borbotões; trapezista sobre o meio fio, é preciso te desequilibrar. Perdoe-me, não há mais espaço para te imaginar. Um vento vermelho beija teu rosto. Transponho-te em um espaço disjunto com a precisão de maestro. Dispositivos da memória. Como esquecer? Sacrifício. Sacrifico-me. Uma porta se fecha atrás da outra: é preciso acreditar. Em algum lugar, em alguma cama me esperas?  Com um atraso inadvertido te perco entre os carros e a chuva; é na rua que te deixo. Intacta (não era assim que tinha que ser?). Cinza, cinza, cinza: muda. 

terça-feira, 5 de março de 2013

Página 109


Musa! Musa minha que inspira na ausência. Quem és tu que me ensinou a amar? (Digo,) “Você não me ensinou a te esquecer”... Não temo, aprendo tropeçando, recompondo-te, desaprendendo, amando-te ao contrário.  Um manual barato de autoajuda. Vômitos e contorções: te esquecendo.
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[Página 109 do mesmo manual de autoajuda]

(...) Virou menina – de tranças and all – que tão repentinamente grita em afirmação: “Sou gente grande! Já sei amar!”. Igual à vez em que pensava saber andar de bicicleta sem segurar no guidão. Não precisam adivinhar: a cicatriz ainda está emoldurada em seu joelho. Só que dessa vez as cicatrizes criaram raízes mais profundas na menina gente-grande.

Inventa o mundo à sua volta, sorrindo às estrelas. Navega feito bailarina dançante sob a lua. Seu coração é seu mapa. Inventa, inventa nuvens e pinta o amor. Menina de fábulas, she expected nothing in return. A verdadeira stargirl que não soube esquecer o que hoje não faz bem. (...).

[Vire a página para encontrar a solução...]
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(...) Igual à vez em que pensava saber andar de bicicleta sem segurar no guidão. Não precisam adivinhar: nunca mais andou de bicicleta.

Sobre o abandono (ou: Sobre a Resistência)


Este café tem gosto das cinzas do cigarro que se espalham em meus lençóis. Minha garganta-cinzeiro de pensamentos abortados. Hoje estou alive – sentindo àquela dor feita de flor e prosa (da palavra mais maldita). Folheio o livro na esperança de ali te encontrar. O movimento brusco só ressuscita as cinzas em minha cama (onde antes te contorcias de prazer). Espiralizam-se e pousam sobre as folhas amarelas do livro. Subverto as entrelinhas; viro a página; troco o livro. Leio-nos em terceira pessoa: tomo distância.

 “Não se afobe, não, que nada é pra já...”. 
O futuro, oculto e inerte, não está para mim, nem para aqueles que tão veementemente o esperam (mal sabem que nunca chega). Muito menos para o verso que voou de meus lábios a me deixar para trás. A vagar em um presente que de imediato também me deixa. Digo: não tenho medo de me deixar à margem de mim mesma. Anuncio o fim diariamente, deixo-me, transformo-me, recomponho-me em vida. Bastou uma renúncia para perceber tal desapego ambíguo: nós. Aquele que agora leio em terceira pessoa, e aqueles que se somatizavam em minha garganta.

Mas o amor vem, vem se arrastando, tímido, mas vem. Esconde-se nas páginas que ainda não li, nas palavras que ainda não pronunciei si-la-bi-ca-men-te. Envolvo-te, nos amando em contratempos. É a única solução que eu tenho para esse amor que arde e me crucifica já em chamas. Conheço-te? Já te adorno de versos placidamente desejantes. Devo parar por aqui.

Qualquer esforço resulta em palavra que tanto almejo deixar para trás. Mão sobre a chama que ilumina este papel que te dedico: recolho-a rapidamente para sequer conhecer a dor que ainda não me trouxeste. A dor que faz arrastar léguas aos teus pés. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um copo de vinho


Agora o ponteiro dispara
feito coração pulsante dilacerado
pelo orgasmo ingerido por
tua boca voraz.
[um copo de vinho. Acalmo
e encrudeço].

A poesia que denuncia
a intimidade alheia
é aquela que
nos cerca e
nos espelha;
(mais fácil é conter-se
à metapoesia:

musa em decadência,
olhos revirados ao se lançar
contra o travesseiro;
muda e à espera) –
é figura de linguagem.

As palavras vêm e vão
no compasso certeiro
daquele mesmo ponteiro
que marca o gozo pleno,
que se delonga e
faz tremer em pequenos
intervalos comedidos –

enquanto você saca o
fósforo e afogueia
a mortalha
branca que beija
teus tristes lábios.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sobre o atraso


Uma ode à mulher de minha vida que chegou a um quase ser:
Cangote de jasmim. Cheiro que inebria e se confunde com a
Boca de beijo que sorve de minhas palavras cantadas.
Olhos de cigana que incendeiam em choro. A mulher mais bonita que já vi chorar.
Dizem que é questão de timing: acertamos em cheio (anunciado pelo pôr-do-sol). Acontece que encontramo-nos sob a ponte errada.
Delonguei este verso e a demora é inoportuna: já não declamo mais para a menina que não conhece o meu amor.