Iluminando as mais escuras das ápices com sua voz, prolonga as vogais em meio de um monólogo sem fim. Olha fixamente o seu reflexo nos dentes do garfo ao levar sua mão trêmula à boca. Com uma certa dificuldade, ingere seu proprio veneno e engasga em suas próprias mentiras. Havia como se esquecer das palavras?
Tinge as brancas confissões com sua voz endurecida pelo endovenoso azedume. Encontra paz na cela mais escura, nas palavras mais severas, no olhar menos sincero.
Faz dos olhos dela o refúgio de suas memórias tardias. Consome-se em mágoas o seu coração partido. Castiga-se lembrando de quando desenhou a sombra das curvas dela nos lençóis desocupados.
Fugindo do medo e da chuva, recompõe silábicamente aquela tarde cinzenta. Dentre o tumulto de mil conselhos, a dicotomia de sorrisos alheios se expõe diante da dor eterna da alma. Não sente a tal presença solidária –mas sim, solitária. Vivo e desnudo, despe-se desta prontidão sem remate no entardecer em que vem a ele este cheiro esquisito de esterco que, já fatigado, não o repugna mais.
Conformado, a densidade inexorável de um amor acerbo pesa em seu intestino. Embalde inda implora pelo tempo que, em seus sonhos, torna mais profundo o seu desespero. Sentado contorcidamente em sua cadeira, modula as lágrimas andinas de quem sofria em silêncio.
(para Neruda)
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Roland Barthes