terça-feira, 14 de junho de 2011

XVIII

Hoje o dia passou. Tranquilo, sem nada a me tirar da miríade dos meus pensamentos. Adiantava-se a noite. No escuro eu lia. Rabiscava. A luz avançava sobre o papel e a caneta o riscava em continuidades bruscas. Marquei a data. Pausa. O tempo. Passara-se outro ano, hoje. Passara-se outro ano em que me deleitava nos meus sofrimentos. Sadismo. Aprendi a transformar a dor em alimento. Em água; necessária e abundante.

O que significa esse tempo quando se sofre? Em casos como esses, o tempo (es)corre: dois anos viram dez. A fase do redemoinho. Dramática. Mas essa fase passa. Contemplação e conformismo vêm depois, logo em seguida, a crise. De abstinência (amargurado Platonismo). Tornar suportável ver o objeto de tortura - digo objeto pois já superei a dissociação do nós – é inconcebível. Até que se contempla o sacrifício: o corpo no altar, o coração já lívido. A dessacralização desse amor, do terno conforto de seus pensamentos, parece ser um processo árduo, e é.

Sinto a tua ausência nos objetos que me circulam. Sinto mais confortável assim do que se estivesse ao teu lado. A pessoa quem és hoje já não cabe à minha imagem de ti. Hoje percebi o que me abraça é essa dor. Uma dor física. Garroteia-me. Deito-me de bruços. Tento reconstruir aquele dia. Aquele que permaneceu para trás. De nada adianta, aquele momento se dissolveu no ar. Hoje é o aniversário do nós, mas eu já o abandonei há tempo – e tu há muito mais. Estou melhor assim. Sozinha. Conosco. In memoriam ao nosso amor. Meu amor. Disposta a viver em contradição. Uma ferida aberta lentamente se fecha. Eu prefiro a bulir, mantendo-a aberta. Só assim eu sei; só assim lembrarei: a dor é real. Talvez essa seja a única certeza que eu tenho neste momento.

O que é o tempo para aquele que espera retornar um dia ao simulacro do seu amor? O que é o amor para aquele que amou e tardou em perceber que o amado não vai voltar?

Um comentário:

  1. Gente, muito sério que fiquei tresloucadamente apaixonada por esse blog teu. Voltarei sempre aqui, e ja estou seguindo (L) ate mais flor. Lindo lindo esse teu espaço e todas essas coisas escritas aqui, é um conjunto de coisas ótimas.

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Roland Barthes