domingo, 31 de março de 2013

De minha janela



Abri a gaveta e ali encontrei os escritos que havia abandonado. Estórias de amor, de brancas traições, amarelas juras de amor. Afagos trépidos que amansavam o meu desejo de ir. Com um olhar distante, amasso os papéis sem cautela. Botinas surdas sobre as folhas secas do outono. Um papel amassado em meu bolso: encerrado com um desbotado ponto final. Cruel, cruel: relembrar e reviver a poesia há tempo desamparada.

É necessário esquecer essa dor que sufoca; das lágrimas que não medem resistência; do mar que arde em cima de ferida aberta. Não há planos grandes o suficiente que possam remediar o tempo. Mesmo sendo inteira, não sou grande o suficiente. Há certas correspondências que me atravessam e me deixam à margem. A poesia suja não lava a alma. Eu era outra, e continuo sendo outra, mas não me reconheço.

Prendo minha respiração pesada. A música já é outra, e eu não sou a mesma – pena ou pesar? O ar seco deste quarto me pede para abrir as janelas que não abro há semanas, enclausurada. Absorvo este ar absolto; sorvo da noite que timidamente rasteja por entre os vãos de minha janela. O mar imenso, negro, se estende em minha frente: não faz mais sentido escrever para você. Lavo meu rosto. Não deixo pistas.

Esse jeito que o cigarro encosta sobre teus dedos. Tragas-me. Percebo o quanto me foste fiel. Sorrias. [Recomponho] Perdoe-me. Há tempo que te peço perdão, medindo a vã lembrança. Não, não peço mais nem invento desculpas. Sensação do despertar, em um movimento de-dentro-para-fora, erupções coloridas que me devolvem vida! Do latente desejo de ficar, tenho necessidade de profetizar. Saio sem pedir licença. Hoje sou outra.

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Roland Barthes